O Colégio Fingoi foi o meu primeiro colégio. Na minha família a cultura era um valor de primeiro ordem inquestionável. Por isso os meus pais escolheram o único colégio que, na posta guerra franquista, reunisse as condições de laicidade e de coeducação junto com os princípios pedagógicos da Instituição livre de ensino.
Em Lugo tivemos esse privilégio mercê a Dom António Fernandez que o fundou, e escolheu um elenco de professorado exemplar a partir de mestres sancionados polo regime franquista entre dos quais salienta Dom Ricardo Carvalho Calero. Minha mãe era mestra da república, e tanto ela como meu pai davam muita importância à educação.
A minha passagem por este colégio influiu muito em mim. Nunca agradecerei bas-tante aos meus pais ter-me beneficiado deste privilegio. Em Fingoi desfrutei muito até o ponto de não querer nunca perder um dia de aulas. Se perdia o autobús, que nos recolhia diante do Concelho, ia andando ainda que for sozinha. Fui lá desde os quatro até os oito anos. Mas as amizades de Fingoi nunca as esqueci e ainda as cultivo.
E, Fingoi era Dom Ricardo Carvalho Calero, que era o diretor (para mim a autori-dade suprema) e a minha primeira professora a querida “Senhorita Chicha”. Ir ao colégio era uma alegria. Nunca uma obriga.
De Dom Ricardo, nessa época, guardo uma lembrança nebulosa. Sei que o alunado lhe tinha muito respeito, ou alguém poderia dizer medo. Porque era um homem de aspeto serio e solene.
A mim nom me deu aulas diretamente, mas como aluna do colégio sentia sua pre-sencia sempre: Ao sairmos da aula, no comedor, no pátio dos recreios, no cuidado das hortas que tínhamos o alunado, etc. Ele estava sempre cuidando dos espaços comuns (recreios, atividades complementarias, etc). Visto desde a ótica de hoje, penso que fazia um exercício de total responsabilidade do seu trabalho como diretor.
Tinha a coordenação do projeto educativo do centro que fora ideado por Dom Antonio Fernandez e o levava a cabo rigorosamente.
Lembro uma ocasião em aulas de francês com Carmucha Teijeiro. Fazia sol e esta-mos dando a classe dentro do colégio. Entrou e perguntou porque nom estávamos fora passeando para aproveitar o bom tempo. Na minha vaga memoria creio que dixo algo como que podíamos aprender os nomes das plantas em francês. E assim foi. A professora levou-nos de andaina pola contorna mentres nos sinalizava as “feulhes”, “les fleurs”, “l’herbe” ou “les oiseaux”. São as pequenas cousas que ficam gravadas na memoria e que faziam de aquele colégio algo mui especial.
Primeiras comuñóns en Fingoi: Antón Figueroa, Adela Figueroa, Jorge Castelnuovo Santaella e Marcos Fernández Puentes. Ao fondo, Don Ricardo.
Dom Ricardo era serio, mas era carinhoso. Assim o percebia eu. Nom nos deixava marchar do comedor mentres nom acabássemos a comida. Má comedora, eu tentava dissimular metendo toda na boca sem tragar com a esperança de poder deita-la fora quando ninguém visse.
Mas ele, que nos cuidava, vinha onda mim e palpava a minha meijela descobrindo o bulto que eu guardava. Dizia: “Beve, verás como assim o podes tragar”. Nom havia remedio. Nada se escapava ao seu olhar. A comida era também algo a que se lhe dava muita importância. Iamos a praça de abastos acompanhando à cozinheira ou aju-dávamos a cozinhar e aprendíamos o menu, para recita-lo antes de começarmos a comer, sempre presidindo Dom Ricardo o comedor.
Em Fingoi nom somente se aprendia teoria. Também educação, liberdade e alegria. Todas tínhamos que bailar, cantar ou encontrar alguma atividade complementar do “Curriculo escolar”. Eu gostava muito de bailar a muinheira. Dom Ricardo era exigente pelo que diz as atividades, e ainda discorria jogos educativos que se praticavam depois da comida. Havia “repouso” na hora da sobre mesa. Faziam-se equipas que tentavam competir com baterias de perguntas e de respostas. Nesse “repouso” ele estava sem-pre presente coordenando e controlando que tudo fosse corretamente. Eu lembro ter participado nesses concursos e olhar de relance para onde ele estava por saber se o fazia bem ou mal.
Bem pensado nom sei como ainda encontrou tempo para escrever entre tantas horas de ocupação: as suas aulas e o controlo do funcionamento dum colégio de tanta complexidade. Era um homem de grande valia. Extraordinario.
Aparece na foto da minha comunhão detrás de nós. Com ar de quem está a con-firmar que tudo está a correr corretamente.
Nos domingos, as vezes íamos de passeio até Fingoi, onde ele vivia com sua família. Meu pai gostava da sua companhia. Durante aqueles negros anos de pedra nom havia muita gente em Lugo com quem manter uma conversa inteligente e Dom Ricardo representava essa elite galeguista e de esquerda expedientada pela repressão fran-quista. Pelo delito de pensar. Fracasso do franquismo, porque em Fingoi ensinavam-nos a pensar.
A Dom Ricardo tratei-no mais de maior. Depois de me eu ter licen-ciado em Biologia, e nomeadamente quando organizávamos Jornadas do Ensino em que ele sempre partici-pou ao nosso pedido. Para mim sempre foi uma figura relevante cul-tural e socialmente. Um referente de autoridade, moral e de “sapientia”.
Caro Dom Ricardo, Bem haja.